Saiu a modelagem estatística do Imperial College London para os cenários do COVID-19 no Brasil.
Antes, uma introdução. No começo da pandemia o governo do Reino Unido havia decidido apostar em uma estratégia de “imunidade de massa”, que consistia em não tomar medidas restritivas; em vez de parar o país, deixariam que o vírus infectasse a população de modo que rapidamente as pessoas pudessem ficar imunizadas.
Porém, o governo do Reino Unido desistiu dessa ideia quando uma equipe de especialistas epidemiológicos do Imperial College of London apresentou uma previsão de como se desenrolaria a disseminação do COVID-19 em diferentes cenários de contenção para o Reino Unido e para os Estados Unidos. Para elaborar essa previsão, utilizaram dados de contágio, estatísticas de hospitalização e óbitos vistos em outros países, estudaram como o vírus se dissemina em diferentes ambientes etc..
Como um breve resumo: se circular livremente, o vírus tem a capacidade de infectar cerca de 80% da população geral em um período muito curto. Das pessoas infectadas, cerca de 20% precisam de hospitalização, 5% dos casos são críticos e precisam de UTI e suporte respiratório, e cerca de metade dos casos críticos vêm a óbito.
No entanto, o súbito aumento de casos ultrapassa a capacidade do sistema de saúde, gerando colapso, e disso resulta um número muito maior de mortes — de covid-19, assim como de outras causas — simplesmente porque não há hospital para tratar todas as pessoas que precisam.
Segundo a previsão, se não houver restrições nos contatos, no mundo inteiro seriam 7 bilhões de pessoas infectadas com covid-19 e 40 milhões de mortes neste ano.
Os números previstos por esses estudos fizeram com que governos desistissem das posturas mais relaxadas e tomassem as medidas mais restritivas para evitar o colapso do sistema de saúde e um número muito maior de mortes.
Ontem, no dia 26/03/2020, o Imperial College of London soltou números previstos para os desfechos da pandemia em todos os países, nos cenários sem intervenção, com mitigação, e com supressão.
Mitigação envolve proteger os idosos (reduzir 60% dos contatos) e restringir apenas 40% dos contatos do restante da população.
Supressão envolve testar e isolar os casos positivos, e estabelecer distanciamento social para toda a população.
Supressão precoce – implementada em uma fase em que há 0,2 mortes por 100.000 habitantes por semana e mantida
Supressão tardia – implementada quando há 1,6 mortes por 100.000 habitantes por semana e mantida.
No Brasil os cenários previstos são os seguintes:
Cenário 1- Sem medidas de mitigação:
– População total: 212.559.409
– População infectada: 187.799.806
– Mortes: 1.152.283
– Indivíduos necessitando hospitalização: 6.206.514
– Indivíduos necessitando UTI: 1.527.536
Cenário 2 – Com distanciamento social de toda a população:
– População infectada: 122.025.818
– Mortes: 627.047
– Indivíduos necessitando hospitalização: 3.496.359
– Indivíduos necessitando UTI: 831.381
Cenário 3 – Com distanciamento social E REFORÇO do distanciamento dos idosos:
– População infectada: 120.836.850
– Mortes: 529.779
– Indivíduos necessitando hospitalização: 3.222.096
– Indivíduos necessitando UTI: 702.497
Cenário 4 – Com supressão tardia
– População infectada: 49.599.016
– Mortes: 206.087
– Indivíduos necessitando hospitalização: 1.182.457
– Indivíduos necessitando UTI: 460.361
– Demanda por hospitalização no pico da pandemia: 460.361
– Demanda por leitos de UTI no pico da pandemia: 97.044
Cenário 5 – Com supressão precoce
– População infectada: 11.457.197
– Mortes: 44.212
– Indivíduos necessitando hospitalização: 250.182
– Indivíduos necessitando UTI: 57.423
– Demanda por hospitalização no pico da pandemia: 72.398
– Demanda por leitos de UTI no pico da pandemia: 15.432
Faço algumas observações:
Os próprios autores do estudo comentam que modelaram essas curvas com base nos padrões de dispersão dos países ricos e que nos países pobres os resultados da pandemia podem ser piores do que o previsto. Esses números previstos não levam em conta a existência de favelas, comunidades sem abastecimento de água e/ou saneamento, entre outros complicadores que temos no Brasil.
É preciso comentar que os números reais da pandemia no Brasil, seus casos e óbitos, estarão amplamente subnotificados devido à falta de testes e demora nos resultados. As estatísticas oficiais publicadas pelo Ministério da Saúde mostrarão apenas a ponta do iceberg.
Mesmo nos melhores cenários, lentificando a transmissão e aumentando os recursos do sistema de saúde, deve faltar UTI e respirador para parte dos doentes.
Em resumo, a diferença entre ficarmos todos em casa (supressão) ou adotar uma estratégia mais branda de mitigação e proteção apenas dos grupos de risco pode ser da ordem de MEIO MILHÃO de vidas.
Os diversos relatórios estão disponíveis no site do Imperial College of London: https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/news–wuhan-coronavirus/?fbclid=IwAR0GeexFNu6ezOVclPBVW5x3Z3yOn5N1X6siDO5P7ezUOm_UwOUu31RBoAY
Link para o trabalho “The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression”: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdf
As tabelas com os números oferecidos constam no apêndice: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-unmitigated-mitigated-suppression-scenarios.xlsx