RODRIGO CONSTANTINO
Há exagero nas tentativas de controlar o tabagismo no Brasil?
SIM
A tirania do bem
A cruzada antitabagista segue com força total. Após a obrigatoriedade daquelas imagens terríveis no maço de cigarros, da suspensão de propagandas e do banimento dos “fumódromos”, eis que a Anvisa aprovou agora a proibição de sabor nos cigarros. O objetivo da agência está evidente: querem sumir com o tabaco da face da Terra.
Há duas maneiras de se criticar esta postura. A primeira delas é com base em princípios, tais como a liberdade individual. Não cabe ao governo nos proteger de nós mesmos. Viver é sempre uma aventura arriscada. Cada um deve ser livre para escolher como encarar esta jornada, assumindo a responsabilidade por seus atos. Parte da liberdade é o direito de escolher ir ao “inferno” à sua maneira.
Ninguém ousaria afirmar que os indivíduos desconhecem os riscos associados ao tabaco. Eles já são mais do que divulgados. Ainda assim, deve ser um direito inalienável assumir tais riscos, se esse for o desejo. O risco de vício também é conhecido antes de o sujeito começar a fumar. Além disso, vários outros produtos podem viciar, inclusive o álcool. O abuso de alguns não deve tolher o uso dos demais.
Uma pessoa pode levar uma vida de abstinência total das substâncias prejudiciais à saúde e sofrer um acidente ou mesmo contrair uma doença terrível como o câncer.
Outra pode beber, fumar e viver uma longa vida -menos chata, diriam alguns. A probabilidade de ele ter câncer de pulmão pode ser maior, mas impedi-lo de optar pelo risco é solapar sua liberdade mais básica.
Adotar políticas intervencionistas somente com base nas probabilidades é ignorar o indivíduo e a sua singularidade. Regimes coletivistas, como o nazismo, o comunismo e o fascismo, seguiram esse caminho, desembocando no totalitarismo. O indivíduo passa a ser um simples meio sacrificável pela maioria.
Alguns argumentam que o fato de existirem impostos para manter o SUS justifica tal intervenção. Se nós pagamos a conta, então podemos impor restrições aos outros para reduzir o risco de doença.
Trata-se de uma linha de raciocínio que leva inexoravelmente ao totalitarismo. Com base nela, o governo poderia também obrigar cada um a praticar exercícios físicos diariamente, além de cortar a fritura, a gordura, o sal e o açúcar. Tudo em prol da saúde geral.
A segunda forma de atacar a postura da Anvisa é pelo resultado prático de suas medidas.
Ao dificultar a venda legal de cigarro, a agência não faz desaparecer a demanda por ele. Ela apenas transfere a oferta para a informalidade. Empregos e impostos serão perdidos, e o contrabando será alimentado -com o risco agravado pela má qualidade do produto.
Cerca de 30% do mercado de cigarros no país já é ilegal. Os contrabandistas agradecem o fervor da Anvisa em lutar pelo bem geral, tal como Al Capone celebrava a Lei Seca em Chicago.
Aliás, é no mínimo curioso que muitos dos que aplaudem a cruzada antitabagista são os mesmos que defendem a descriminalização da maconha. Incoerência total.
Muito me preocupa este movimento coordenado em busca de uma espécie de “saúde perfeita”. Seria isto uma nova seita religiosa e moralista? Seria o resultado de uma geração acovardada, que pensa ser viável abolir os riscos de se viver?
Se o indivíduo quiser adotar essa postura no âmbito particular, trata-se de um direito seu. Mas, quando a coisa vira uma imposição coletivista, a liberdade corre sério perigo. As piores tiranias são feitas em nome do bem geral. Com a consciência limpa, esses tiranos são incansáveis em suas ambições “altruístas”.
Apenas para constar: não fumo.
RODRIGO CONSTANTINO, 35, é economista com MBA em finanças pelo Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais)
PAULA JOHNS E CLARISSA HOMSI
Há exagero nas tentativas de controlar o tabagismo no Brasil?
NÃO
Nove em dez fumantes começam antes dos 18
Há um produto que mata metade de seus consumidores regulares. São 6 milhões de mortes anuais a ele atribuíveis, 200 mil no Brasil. Trata-se da primeira causa evitável de mortes no mundo. Mais de 100 milhões de pessoas morreram em decorrência de seu uso no século 20. Esse número pode chegar a 1 bilhão no século 21 se nada for feito.
Há ainda as doenças incapacitantes, as aposentadorias precoces e os custos sociais, sanitários, ambientais, econômicos e emocionais por ele causados. A maioria de seus consumidores se arrepende de ter iniciado o uso e quer deixar de usá-lo.
Esse produto causa dependência química, física e psíquica. Nove em cada dez consumidores iniciam o uso desse produto antes dos 18 anos -apenas 5% começam após os 24.
Por trás desse produto, o cigarro, há uma indústria cujo objetivo único é aumentar o seu consumo e, consequentemente, os seus lucros.
Trata-se de uma indústria que comprovadamente mentiu, omitiu e distorceu fatos e dados científicos. Fomentou falsas pesquisas e pressionou os poderes públicos, através de lobby e outras estratégias menos nobres, com o propósito de evitar toda e qualquer regulamentação do seu produto e da sua atividade.
Seus objetivos são diametralmente opostos ao da saúde pública. É evidente que tal indústria precisa de limites.
Usar todo tipo de estratégia para promover e posicionar o seu produto na sociedade para angariar novos consumidores e ainda associar o seu consumo à ideia de liberdade de escolha é no mínimo antiético.
Por todas essas razões, os países membros da Organização Mundial de Saúde escolheram o controle do tabagismo como tema do primeiro tratado internacional de saúde pública celebrado sob seus auspícios: a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro em 2006.
As medidas previstas não contemplam a proibição da produção ou da comercialização de produtos de tabaco, mas políticas públicas que já se mostraram eficientes na redução do tabagismo.
O Brasil é exemplo disso. Em 20 anos, reduziu pela metade o número de fumantes ao restringir a publicidade e determinar a adoção de advertências sanitárias nas embalagens e peças publicitárias. Informação e redução do estímulo ao consumo funcionam.
Há, contudo, 25 milhões de fumantes no Brasil e um crescente número de adolescentes que experimentam cigarros diariamente, candidatando-se à dependência e às consequências do tabagismo.
Prevenção à iniciação é a palavra de ordem no cenário atual. Está comprovado e reconhecido em sentenças judiciais, documentos internos das multinacionais do tabaco e estudos científicos que o alvo das empresas são os jovens, crianças e adolescentes inclusos.
Recente pesquisa (Ensp/Fiocruz e Iesc/UFRJ) revelou que quase 60% dos estudantes entre 13 e 15 anos que usam cigarro preferem aqueles com sabor. A medida adotada nesta semana pela Anvisa (proibir o uso de aditivos como menta e cravo, que tornam mais palatáveis os produtos de tabaco) visa exatamente esse público, com o objetivo claro de prevenir a iniciação.
É dever do Estado regular uma indústria e um produto cujos ônus têm sido impostos unicamente à sociedade. Não é somente aceitável, mas obrigatório, que se imponham restrições com o fim de desestimular o consumo de tabaco.
Sua produção e comercialização estão na condição de mercado passivo, ou seja, que é juridicamente tolerado, mas não deve ser promovido pelo Estado. Antes, ao contrário, a regulamentação, mais do que necessária, é direito da sociedade.
PAULA JOHNS, 44, socióloga, é diretora da Aliança de Controle do Tabagismo.
CLARISSA HOMSI, 41, advogada, é coordenadora jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo.
Informações retiradas do caderno Opinião da Folha de São Paulo do dia 17 de março de 2012.